sexta-feira, 29 de julho de 2011

A COISA

Pintura de Evard Munch (O Grito)

Capítulo 3: Cara a cara com a Coisa

Na semana passada, meu amigo, pálido e com uma visível taquicardia, ensaiava contar o que ocorrera no banheiro da casa da minha tia. Já um pouco mais calmo e confiante, fechou os olhos, respirou, começou a se soltar um pouco, e foi tentando reconstituir, na medida do possível, os fatos perturbadores.
Mal havia começado seu desabafo, quando aquela senhora que foi visitar minha tia (lembram?) abriu a porta da rua, chega até até a varanda e, visivelmente nervosa, olhou para o meu amigo, e gritou:
- Olha o safado ali! Segura aí moço! E pedia que eu o agarrasse.
Já imaginando o desastre que poderia ter acontecido, fingi não escutar e fiz-me de desentendido.
Nesta instante, meu colega saiu em disparada e, de tão assustado, nem se despediu.
Somente no outro dia, quando já estávamos na escola, é que tudo foi revelado e pude enfim ficar a par da verdadeira história.
Após sentarmos na mesma carteira, veio de imediato me confidenciar, baixinho, que nem havia conseguido dormir naquela noite. Ficou na cama tremendo de medo, pensando na possibilidade de que aquela senhora pudesse ir a sua casa buscá-lo. Segundo ele, aquela teria sido a noite mais longa de sua vida. Neste instante, fomos interrompidos pela professora, e ele ficou de me contar tudo no recreio, com mais calma. Aí sim, foram as aulas mais longas da minha vida.
Enfim, ao bater o sinal, ele, mais do que depressa, começou a relatar o que ocorrera. Seu olhar, ainda assustado, parecia estar na expectativa de que pudesse, a qualquer momento, ser surpreendido com a entrada repentina daquela senhora na escola para pegá-lo. Mesmo assim, começou a narrar o seu triste pesadelo, dizendo:
- Na verdade, fui entrando de fininho, pois, além de não conhecer a casa, estava com muita vergonha de encontrar alguém. Mesmo assim, fui prosseguindo e, já alcançando a sala, fui escutando vozes vindas do terreiro. O silêncio interno me encorajou, pois prenunciava que a casa estaria, naquele momento, totalmente vazia. Chegando próximo à cozinha, vi uma porta encostada, e imaginei: só pode ser aqui! Olhei pra um lado, olhei pro outro e pensei: seja o que Deus quiser! Comecei a empurrar a porta devagarinho mas, sob um suave ranger de dobradiça, ela travou. Imaginei que algum sapato ou coisa parecida poderia estar impedindo sua abertura total. Aí forcei, de vez, e empurrei com toda força. Foi aí que eu me estrepei de vez!!! Era mesmo o banheiro, só que, lá de dentro, veio esta voz, terrível, gritando:
- Sai fora, “muleque”! Além de tudo, mal educado! Se você não tem mãe, eu vou te ensinar uma boa lição, seu tarado! Tá achando que é o quê? Desaparece de minha frente, senão te pego! Não vou esquecer seu rosto nunca, seu malcriado!
E, raivosa, socou a porta de volta na minha cara, quase quebrando meu nariz. Aí não teve jeito e, no susto, meio que assim de reflexo, antes de zarpar correndo, acabei olhando de relance e vi, além de uma estranha calçola arriada, uma “coisa” medonha, que eu jamais queria ter visto. Aí reapareci lá fora e o resto você já sabe.

Resumo da ópera: por uns bons anos, este meu colega desapareceu das imediações e a maldição da “coisa” quase acabou me atingindo, pois caí na asneira de compor uma singela paródia (da música Jardineira) em homenagem à ocorrência, e esta que foi minha primeira composição por pouco não me rendeu uma surra. Pois, achando que estava abafando, cantarolei a bendita letra, próximo às pessoas envolvidas. Se arrependimento matasse, já teria ido desta pra melhor. Mas não resisto à tentação de divulgar esta pérola do meu cancioneiro com música do inesquecível Benedito Lacerda, porém com nomes fictícios: Ò Esmerarda por que estás tão triste / mas o que foi que aconteceu / foi o Raimundo que abriu a porta / deu dois suspiros e quase morreu. / Vem Esmerarda, vem meu amor / Não fique triste que o banheiro é todo seu / e o pior de tudo isso: / o Raimundo “quais” morreu...
Enfim, vocês nem imaginam a “dor de cabeça” que esta brincadeira me causou.

Eu já havia mandado este texto para postagem, quando encontrei o meu amigo, hoje cinquentão igual a mim e, achando que ele havia superado o trauma, comecei a relembrar a história, sorrindo, mas, estranhamente, ele começou a suar:
- Serjão, não há um dia da minha vida em que eu não me lembre daquela calçola. Era uma daquelas calças íntimas de pano, tipo ceroulão, com três laços, um na cintura e os outros dois na altura dos joelhos.
Da “coisa” ele não falou. Nem eu tive coragem de perguntar.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

quarta-feira, 27 de julho de 2011

NO NO NO MORE AMY

Arte digital por Forever Zero Dragon

Amy Winehouse não vai mais para a reabilitação. Não, não e não. Com certeza. A esta altura, deve estar em algum dueto com a xará de sua mãe, Janis Joplin, outra grande intérprete também morta aos 27.
O comentário geral foi “finalmente”, ou “demorou”, ou, pior ainda, “ela pediu por isso”. A própria mãe, a tal dona Janis, afirmou à imprensa que “a morte dela era apenas uma questão de tempo.”
O curioso é que, se todo mundo sabia que ela ia acabar do jeito que acabou, por que é que ninguém fez nada? Nesses assuntos, normalmente somos muito moralistas e, se não se tratar de nenhum parente nosso, dizemos: ora, ela era maior, vacinada (até demais) e sabia muito bem o que estava fazendo, isto é, ela escolheu seu destino macabro.
Mas não é bem assim: Amy era uma pessoa doente e, como tal, precisava de tratamento. Se não o recebeu, um grande motivo, e meio paradoxal, é a sua fama e fortuna. Tem uma piada contada num filme de Woody Allen, em que uma família leva um de seus membros – que pensa ser um ganso - ao psicanalista, que o cura de seu delírio. Uma semana depois, a família volta desesperada perguntando como fazer para continuar mantendo o suprimento de ovos. O fato é que, na maioria das famílias, há normalmente, uma pessoa problemática que acaba por catalisar todas as neuroses familiares: ora é um pai alcoólatra, ou uma mãe depressiva, ou um caso, como esse, de filha dependente de drogas. Se, em casos normais, já é assim, imaginem no caso de uma celebridade! E celebridades não podem se dar ao luxo de parar. Em primeiro lugar, porque não podem estar fora da mídia, ainda que em reportagens sensacionalistas. Depois, porque muitas pessoas dependem delas, seja no trabalho, ou mesmo na própria família.
A lista é muito grande. Praticamente inexiste uma banda famosa, que não teve um representante morto por problema com drogas: Brian Jones, dos Rolling Stones; Syd Barret, do Pink Floyd; Jim Morrison, do The Doors; Gary Thain, do Uriah Heep; Pigpen, do Grateful Dead; Kurt Cobain do Nirvana, todos com menos de 27 anos (além da citada Janis Joplin, e mais Jimi Hendrix).
Se somarmos os atores, há nomes de peso, como: Marilyn Monroe, John Belushi, River Phoenix, Heath Ledger, Judy Garland, Elvis Presley, Montgomery Clift. E há muitos em stand by. Charlie Sheen que se cuide, pois, no alto dos seus 46 anos, parece estar fazendo hora extra.
Há casos em que prevaleceu o bom senso, como o ator Robert Downey Jr. que também tem 46 anos e, da mesma forma que Sheen, foi afastado de uma série de sucesso (Ally McBeal). Pressionado por uma série de escândalos e prisões, resolveu que tinha que dar um tempo. Parou por uns três anos e voltou para o papel do novo Homem de Ferro, além de uma indicação ao Oscar pelo filme Trovão Tropical que, curiosamente, perdeu para Heath Ledger que havia morrido de overdose. Quando falo em overdose, não estou falando só de drogas ilegais, mas também de barbitúricos e bebidas alcoólicas.
É interessante que, atualmente, vivemos a vida com muita avidez e velocidade e, quando entendemos que devemos parar, ou redirecionar nossas prioridades, geralmente deixamos para amanhã, para depois do Natal, ou para o ano que vem. O corpo se revolta, doi, tomamos remédios para as dores. Um órgão para, e nós operamos. Cansamos, e bebemos, e tomamos energéticos. E quando uma Amy Winehouse finalmente se acaba, dizemos: bem feito!
No CD novo da cantora, que se chama O Outro Lado de Amy Winehouse, há uma música, a última do CD 2, que se chama, curiosamente, Procrastinação e tem uma frase que diz: “Eu deveria pensar de forma clara e objetiva, mas tenho muitas coisas pra fazer.” Profecia? Ou constatação da realidade?

(Crônica: Jorge Marin)

sexta-feira, 22 de julho de 2011

A COISA

Frame do filme Basket Case

Capítulo 2 - A revelação

Como vimos na semana passada, alguma coisa muito estranha aconteceu com meu amigo, naquele domingo ensolarado de 1968. Como dizia minha vó: “por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento”. E ele havia ido lá dentro...
Daquela manhã em diante, ele nunca mais foi o mesmo. Pesadelos, cacoetes, tiques nervosos, discreta gagueira e até mesmo uma sensação de pânico ao entrar em banheiros estranhos passaram a atormentá-lo.
Na verdade, antes mesmo deste acontecimento, este meu colega era uma pessoa meio problemática. Fomos também da mesma série no grupo e, algumas vezes, chegamos a sentar na mesma carteira. Supertímido e desconfiado quando era requisitado pela professora, abaixava a cabeça e, vermelho como um tomate, mal esboçava uma palavra. Dava pena. Jamais poderia imaginar que o destino iria lhe aprontar, no futuro, uma boa peça. E tudo por causa de um simples pedido!
Pois o dia fatídico havia chegado.
E lá se foi meu colega.
Mal havia entrado e, rapidinho, já estava ele de volta. Nem um minuto havia transcorrido. Fiquei encucado. Normalmente, não daria nem para desabotoar as calças, muito menos ter feito alguma necessidade e, menos ainda, tornar a abotoar, imaginei.
Naquele tempo, quando íamos à missa, tínhamos o costume de usar calças compridas e elas vinham pelo menos com dois ou três botões. Não daria tempo mesmo.
Retornou com uma fisionomia bem distante daquilo que enquadraríamos como normal, principalmente pra quem acabara de dar uma boa aliviada na bexiga ou no que fosse.
Não dizia nada e, com um olhar meio disperso e apavorado, parecia querer me fazer entender alguma coisa.
Estava confuso. Aquela sua aparência carregada e pálida impedia que ele sequer sussurrasse uma única palavra.
O que tanto teria transformado o humor do meu colega? Começando a visualizar mil possibilidades, pensei em dar uma chegada dentro de casa e ver o que ele havia encontrado no banheiro. Ou vice versa!
Neste instante, outros colegas chegaram e ele, irredutível, não esboçava qualquer mudança de humor.
A coisa foi mesmo braba, pensei novamente. Mas, o que teria realmente acontecido?
Até então, nada me levava a qualquer tipo de desconfiança, a não ser quando, momentos antes de sua ida ao banheiro, no instante em que estávamos do lado de fora conversando, observei, com minha visão periférica, que uma senhora havia batido à porta da tia para uma visita. Por sinal, senhora esta que havia descido o morro da igreja logo atrás da gente. Posteriormente, fiquei sabendo que se tratava de uma pessoa muito amiga de minha tia e que esta rotina se repetia sempre depois dessa missa.
Era uma senhora viúva, estatura mediana, corpo volumoso e fisionomia fechada. Seu nome, apesar de me fugir agora da memória, não era muito comum. Diziam tratar-se de uma pessoa muito brava, mas, por outro lado, extremamente religiosa. Cantava no coro da igreja e, além de Filha de Maria, era também devota de São Expedito. Fora isso, nada mais que pudesse ser relevante.
Então, não aguentando tamanha curiosidade e já preocupado e receoso, procurei questioná-lo, perguntando:
- Entupiu a privada? Fez xixi no chão? Errou de porta e entrou em algum quarto?
- Depois te conto! Você nem vai acreditar! Tô indo embora! Mais tarde eu volto e te falo, respondeu, baixinho e trêmulo.
Aí, mais curioso, e até com certo medo, comecei também a ficar apreensivo.
Teria ele quebrado alguma coisa? Ou será que torceu demais a torneira e começou a vazar água pra todo lado? Deve estar tudo inundado, pensei. E insisti:
- Desembucha logo e trata de me contar o que aconteceu! Tá me deixando nervoso, cara!
- Promete contar a ninguém? Jura?
O que ele disse, eu quase não acreditei. E tenho certeza de que vocês também não irão acreditar, na semana que vem. Até lá...

(Crônica: Serjão Missiaggia)

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A MORTE DE HARRY POTTER

Cartaz do filme

Depois de dez anos e sete filmes, chega ao fim a saga do bruxo Harry Potter, num final interessante e que acaba por nos fazer pensar: assim como os personagens, que, no primeiro filme, eram crianças – Daniel Radcliffe tinha onze anos – acabamos olhando para trás e vendo como as coisas, em nós e fora de nós, mudaram nesta última década. Se prestarmos atenção, vemos que nada, mas nada mesmo, teve início sem que uma outra coisa morresse.
Falo da “morte” de Harry Potter porque, segundo a autora do livro J. K. Rowling, não haverá uma sequência, embora a cena final deste “Harry Potter e as Relíquias da Morte Parte 2” sugira o contrário, pois dá margem a uma continuação.
Como o filme está em cartaz, não vou, naturalmente, revelar os segredos do mesmo, deixando, aos que não viram, total liberdade para imaginar qualquer tipo de final, até mesmo que o Senhor das Trevas triunfou, o que não seria difícil de imaginar nos dias de hoje.
A morte está sempre presente no filme: as horcruxes são recipientes onde Voldemort escondeu pedaços de sua alma, justamente para escapar da morte. Quem acompanhou a história sabe da profecia que diz que “um dos dois deverá morrer na mão do outro pois nenhum poderá viver enquanto o outro sobreviver.”
Harry descobre esta questão e passa a encarar a morte de uma forma diferente. Ao entrar em contato com a Pedra da Ressurreição, passa a conversar com todos aqueles que morreram e descobre um fato interessante e simples: seus pais revelam que os mortos continuaram ao lado dele todo o tempo. Quando indagados se o Lorde das Trevas veria os “seus” mortos, eles são unânimes em responder que não, pois, segundo o padrinho Sirius Black, nós estamos “em você”, e aponta para o coração do afilhado. Não deixa de ser uma explicação interessante porque ninguém, com certeza, duvida de que os nossos entes queridos que já morreram continuam vivendo em nós.
Numa outra conversa, desta vez com Dumbledore, o velho mestre ensina sobre a magia. Fala que a base da magia são as palavras, capazes de machucar seriamente, mas também de curar. Que o digam os psicanalistas.
E até a impressionante Escola de Hogwarts fica em ruínas na batalha final, quando um Voldemort impressionante, e até bem humorado, conclama os estudantes a esquecer Harry Potter e passar, simplesmente, para o lado negro. Aqui Ralph Fiennes deita e rola, comprovando o velho ditado de que os bons atores preferem fazer os vilões. Este vilão está poderoso como nunca, com a sua fiel servidora Bellatrix Lestrange (Helena Bonham Carter) à sua direita. Numa sequência, ela tenta auxiliar o Lorde das Trevas, que lhe dá um bofetão, quase comprovando a frase mais engraçada do filme, dita pela Sra. Weasley (Julie Walters) quando a bruxa do mal ataca sua filha Ginny: “Not my daughter, you bitch!”
No mais, é curtir, antes que a morte venha, a bela fotografia do português Eduardo Serra (o mesmo do excelente filme Moça com Brinco de Pérola) e a música do francês Alexandre Desplat, reeditando o tema original do eterno (e ainda vivo) John Williams, que compôs outros “pequenos temas”, como Star Wars e Indiana Jones, e até (quem se lembra?) a série de TV Túnel do Tempo.
É um final sombrio, assombrado e assombroso de uma história que criou uma geração de fãs, e uma bilheteria em torno de dez bilhões de reais. Pode até não ser considerado, pelos cinéfilos ortodoxos, como cinema, mas não pode ser desconsiderado como fenômeno cultural de massa. E de boa qualidade. Esta é a grande verdade.
E a verdade, como dizia Alvo Dumbledore, “é uma coisa bela e terrível, por isso deve ser tratada com grande cautela.”
Ah, e finalmente: não assistam o filme em 3D! Não vale a pena.

(Crítica: Jorge Marin)

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A COISA

Arte digital por Demenzial

Capítulo 1 - Coincidências...

Hoje me lembrei de um episódio bastante assustador.
Talvez a palavra hilariante o conotasse melhor, mas, pelo pouco que fiquei sabendo e principalmente pelo muito que pude viajar com a imaginação, acho que arrepiante desesperador e traumático cairia ainda melhor.
Mas foi um estranho e peculiar acontecimento. Garanto que foi.
Hoje, com mais calma e com a experiência dos meus quase quarenteiquinze anos, o enquadraria como um daqueles contatos quase imediatos de um grau superelevado. Ou quase com tatos? Um imaculado ser humano a mercê de uma hipnose visual. Um genuíno estranho no ninho.
Este fato fantástico que contarei a seguir não aconteceu comigo. Não... não!!! A coisa teve feia mesmo foi pra um de meus colegas da pré-adolescência. Na verdade, fui apenas uma testemunha. Nada mais...
Era uma manhã de domingo. Fatídica manhã de um final de semana de 1968. Férias!
O bate papo rolava alegre e solto no portão de casa e pra variar, além de futebol (o Fogão havia sapecado 4x1 no Mengo) falávamos sobre as garotas da época e discos voadores. Lembram como gostávamos de falar sobre discos voadores? Ainda hoje, muitos se fascinam com isso!
Voltando, então, às via de fato, coincidentemente, momentos antes desta suposta hecatombe, estávamos, eu e este meu colega, falando sobre sexo. Chique não? Hoje se diz fazer sexo. Fico pensando: como fazer, se a coisa já tá pronta? Mas isso é outro caso, que, por sinal, coisa parecida já foi, aqui mesmo no Blog, abordada de uma maneira bem descontraída por nosso amigo Sylvio.
Então, voltando novamente ao fato, havíamos acabado de sair daquela missa das nove na Igreja Matriz, rezada pelo Patrajano. Por sinal, adorávamos este horário, pois a missa durava pouco mais de trinta minutos (coisas de crianças).
Como minha rua era passagem para a casa deste meu amigo, paramos em frente da minha casa para jogar conversa fora.
Traduzindo em miúdos, e deixando o cerimonial de lado, como todo adolescente que se preze, estávamos mesmo, no típico linguajar da época, era conversando sobre sacanagem, e depois da missa, vejam só!
E foi justamente nesta hora, que meu colega, ao fazer-me um simples pedido, veio a começar a experimentar para o resto de sua vida, o mais torturante exílio mental:
- Sérgio! Será que sua tia me deixa dar uma chegadinha no banheiro?
Como todos se lembram, esta casa, que era da tia Dalila, fazia parede de meia com a minha. Na verdade, quase que uma única casa, apenas dividida em duas.
Contudo, mal sabia ele que, naquele momento, ao fazer esta triste e infeliz escolha, ou seja, a de estar optando pelo outro banheiro, estaria selando seu destino para sempre.
Ainda hoje fico pensando: qual enigma o teria feito escolher a casa ao lado? Até a distância dos banheiros seriam idênticas. Mesmas escadas e mesmo número de degraus etc. Tudinho igual. Sem explicação!
Então, que forças ocultas o teriam levado a fazer aquela escolha? Por sinal, ele nunca havia entrado no banheiro da tia, ao contrário da minha casa, onde tinha certa liberdade e intimidade.
Obra do destino? Só sei que alguma COISA estranha estava lá, e prestes a recepcioná-lo. Ou decepcioná-lo?
Na próxima semana, A Revelação. Aguardem!...

(Crônica: Serjão Missiaggia)

quarta-feira, 13 de julho de 2011

OS FILEZIN 0800

Arte digital por Arthur Ramsey

Subindo a rua da minha casa, para ir comprar pão, acabo ouvindo – não tem como não ouvi-los – a conversa de dois adolescentes:
- E aí, véi, o lance do churrasco tá certo mesmo? Vai rolar mulher?
- Tá tudo em cima, cara. E o Fulano vai leva uns gadin mais ou menos ajeitado e você pode ficar tranquilo porque não vai ficar na seca não!
Fico imaginando o que significa aquela conversa, quando estaciona um automóvel com a publicidade de um grupo de música sertaneja, com o anúncio “bebida liberada para ELAS até meia-noite”. Pergunto para o motorista por quê a bebida é liberada só para as mulheres, e ele me dá uma resposta interessante:
- É pra quando nóis chegarmos, os filezin já estar tudo amaciado, e tudo 0800.
Velho, em relação a toda essa modernidade, fico imaginando que a situação propiciaria um belo discurso moral, que, no entanto, soaria meio capenga, se algum colega dos anos 70 me lembrasse que esse seria o nosso sonho de consumo para churrasco naqueles anos de chumbo.
De qualquer forma, sem julgamento nenhum, duas coisas me preocupam: primeiro, se eu fosse pai de um daqueles filezin, iria ficar bem chateado em criar uma filha com esforço, dedicação e carinho para, na adolescência, ela ser transformada em novilha (seria nofilha?) e ser consumida na sobremesa de um churrasco, e sem tarifas. Em segundo lugar, outra preocupação: elas vão, e ficam em fila, para pegar aquela garrafinha de vodka que é “fraquinha” (dizem), mas faz muito marmanjo perder o caminho de casa.
Isso tudo é feito em nome de uma suposta “liberação”. Quer dizer: antes, quando éramos jovens, tudo era proibido. Hoje, ao contrário, mais do que permitido, é obrigatório transgredir. Mas, afinal, transgredir o quê? Antes, havia uma lei: sabíamos que não devíamos desrespeitar nossos pais, ou macular nossa religião, ou infringir a lei. Hoje, os pais, os padres, os militares, estão todos aposentados, participando de caravanas da terceira idade, e a juventude só no extravasa.
Mas, ávidos por satisfazer todos os seus desejos – e haja desejo – eles não percebem que acabam caindo cilada. Eles não estão mais sujeitos à autoridade paterna, é verdade, mas continuam sujeitos a um tipo de tirania, que é a do mercado. Por exemplo: todas as meninas, os filezin, têm, obrigatoriamente, que ser magras, estar maquiadas, ter celular, saber rebolar um funk legal, conhecer o nome da pílula do dia seguinte, ser descolada, bonita, saudável e feliz (sempre). Os caras também têm as suas obrigações, mais ou menos parecidas com as dos filezin, e até mesmo conhecer, aos 18 anos, as marcas dos medicamentos para disfunção sexual. No final, acaba todo mundo tendo a mesma cara, falando as mesmas coisas, os mesmos torpedos e até a depressão do dia seguinte é igual.
O engraçado é que Freud sempre dizia, e nós líamos maravilhados, que o mal estar da civilização era causado pelo excesso de repressão sexual. E agora, o que se vê é que a coisa está liberada, o filé é grátis e, no entanto, não parece que houve grande progresso na cura dos sintomas individuais. Pois, fora da farra, que é efêmera, as pessoas, em geral, parecem mais tristes, mais estressadas e mais decepcionadas com a vida.
Então, a encruzilhada é sinistra: qual deveria ser o destino dessa meninada, tornar-se filhinho e filhinha do papai, neuróticos e reprimidos? Ou ingressar, de cabeça, na perversão generalizada e obrigatória, imposta pelos publicitários, jornalistas e políticos, e acabar como gadin mais ou menos ajeitado?
Como diria Hamlet, nos dias de hoje: eis a questão. Hshua, hshua, hshua. ;)

(Crônica: Jorge Marin)

sexta-feira, 8 de julho de 2011

TIRO DE GUERRA 04-151

Arte digital por Michael Devlaeminck

Capítulo 9 - Feito nas colcha (final)

NA SEMANA PASSADA, era domingão em São João. O que é que a gente fazia naquela época? Bom, em primeiro lugar, íamos à missa. Este era um compromisso literalmente sagrado. Mesmo nós, que já éramos adolescentes, íamos à missa das sete da noite, mesmo que fosse só pra ficar paquerando as meninas, ou ficar na porta escutando o jogo no botequim, do outro lado da rua. E o domingo também era dia de macarronada, com direito a uma Coca-Cola litro e, depois, ficar cochilando em frente à TV, assistindo ao Programa Sílvio Santos, na TV Globo, que só acabava na hora do Fantástico. Aí a gente mudava de canal e ia assistir Os Trapalhões na TV Tupi. No final da noite, dávamos uma chegadinha na Rua do Sarmento, parávamos na porta da sinuca do Sr. Cida para discutir o futebol, e terminávamos o domingo, na pracinha do Coronel, conversando fiado, tocando violão, e, depois que a Lanchonete Joia fechava, aí sim, considerávamos encerrado o domingo, e íamos contrariados para nossas casas.
Mas, isto é papo para civil e, naquela manhã ensolarada, estávamos meio incrédulos, mas, depois de tantas aventuras, estávamos prestes a passar nosso serviço.
Não sei se vocês se lembram, mas o 15 havia chutado o pé da cama para o 39 levar um tombo. Este, no entanto, entrou no quarto, piscou pra mim, e falou:
- Vocês são muito idiotas mesmo, esperando que eu me sente nessa cama, que está justamente com essa colcha que o 18 falou que é para nenhum atirador usar EM HIPÓTESE ALGUMA!
Pensei: é, o 39 está ficando esperto, pois eu até já havia me esquecido que tínhamos colocado, nas camas, as tais colchas intocáveis. Eu estava era torcendo pro 31 chegar logo, com os seus comandados (o 13, o 14 e o 16), para eu passar logo o serviço, antes que chegasse o tal representante do Ministério do Exército que ia visitar o TG.
Adivinhando meus pensamentos, o 13 chegou. Todo sorridente, brincalhão e trazendo uns pães doces que tinha acabado de comprar na padaria. Eu ainda tinha café na minha garrafa, o 12 tinha leite, e resolvemos tomar, juntos, um delicioso café com leite, e dividir aqueles pães. Vejam que companheirismo, que camaradagem... até que o 13, com aquele copo enorme de café com leite numa mão e um pão com Claybom na outra, fez o quê? Sentou na cama e, lógico, caiu! Olhei, apavorado para o copo de leite que voou longe, descreveu uma elipse, e caiu, de boca pra baixo, em cima da colcha que, EM HIPÓTESE ALGUMA, poderia ser utilizada. Foi uma meleca que faz gosto!
Levei as duas mãos ao rosto e a minha vontade foi chorar. Adeus, domingo! Adeus, Fórmula Um! Adeus, Botafogo! O 13 veio se desculpar, mas eu não queria ouvir ninguém e saí xingando alto em direção à sala de instrução.
Sentei numa cadeira, e comecei a pensar na série de desgraças que ocorreriam dali por diante, mas resolvi voltar e, para meu espanto, o 13 teve a “brilhante” ideia de enfiar a colcha que não podia ser usada EM HIPÓTESE ALGUMA, dentro da pia do banheiro. Além da melecada de leite, aquele trapo (porque já não era mais colcha) veio pingando água e leite pelo chão afora e sujando a pia, e molhando tudo.
Naturalmente, o 31, por mais gente boa que fosse – e é até hoje – não podia aceitar o serviço daquele jeito. Como é que íamos fazer? E quando o Sargento perguntasse pela colcha? E o cara do Ministério do Exército?
Mas, é o que eu digo: naqueles dias, aprendíamos a arte de lidar com problemas e, ao invés de transferi-los para nossos pais, nós mesmos os resolvíamos! O 13 acabou levando a colcha para a mãe dele, que morava pertinho do Tiro, lavar e secar a ferro. O 31, depois de muito choro nosso, aceitou receber, provisoriamente, o serviço, até que a colcha ficasse seca e passada. Eu, o 12 e o 15, fomos subindo a Avenida, rindo daquela confusão toda. O 39 foi com a gente, de calça da farda, camiseta branca e Havaianas, as legítimas. O Fittipaldi bateu, o Carlos Pace ficou em sexto (quem ganhou foi o James Hunt), e o Botafogo perdeu de 3x1 do Fluminense (2 gols de Gil e 1 de Dirceu). São João perdia 42 meninos, e ganhava 42 homens. Problemáticos, é verdade, mas com muita fé na vida!

(Crônica: Jorge Marin)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

SER OU NÃO SER

Arte digital de Michal Novak

Basta para nós um pasto:
ovelhas envelhecemos sabemos
dizer sim e não sempre e nunca.

Vida não é só isto ou aquilo
Cecília Meireles não era profetisa
sofria apenas como nós
em frente ao massacrante semáforo do cotidiano.

Dos relógios escravos
somos obrigados a travar inglórias lutas.
Temos de escolher entre o ser ou o não ser
ou entre o dia e noite.
Optamos entre o pecado ou a santidade
entre o campo ou a cidade
sabedoria ou faculdade?
Mentira ou verdade?
Em baixo ou em cima?
Riqueza ou pobreza (de rima)?

Viver não é optar
viver é nascer sem querer
e morrer sem desejar
vida é um fator.

(Poesia: Jorge Marin, 1981)

sexta-feira, 1 de julho de 2011

TIRO DE GUERRA 04-151

Foto de catálogo disponível no site catalogodasartes.com.br.

Capítulo 8 - A Batalha da ESACA

ENFIM, A GUERRA! A gente ficava fazendo aquele bando de grupo de choque, grupo de combate, tiro e marchas e achava que nunca ia ter que usar nada daquilo. Mas nós, não. Estávamos tranquilos, na nossa guarda, e a guerra veio até nós. A porradaria rolava solta lá fora, atiraram uma pedra na porta do TG e o nosso colega, o bravo 39 estava estendido lá fora, no chão, o fuzil de um lada e a inseparável garrafa de café do outro.
- Gente, agora não dá pra segurar. Nós temos que sair, falei.
- Mas, como é que a gente vai fazer, 18? Só temos um mosquetão, aquele que tá lá fora, no chão, perto do 39, disse o 15. E, se formos desarmados, tem muita gente pra encarar!
Era mesmo uma multidão, gritando, xingando, dando “voadora”, embora a maioria queria mesmo era a farra, a bagunça, a cachaçada fazendo efeito.
Lembrei-me de uns bastões amarelos de madeira com os quais praticávamos ordem unida e falei pro 12:
- Pega aqueles bastões e vamos lá fora!
Ajeitamos as fardas e saímos. Lá na guarita, fomos até o soldado caído, mas este já havia se levantado, assustado com aquela confusão toda. Na verdade, ele tinha dormido e ainda estava meio zuado. Falei:
- Fica firme aí que nós vamos tentar dar um jeito nessa confusão!
Pode parecer brincadeira, mas, sob aquela pressão toda, levantamos a cabeça, aprumamos o corpo, e caminhamos, os três, assim bem separados um do outro e caminhamos com firmeza, rumo à briga. O medo era muito, mas sabíamos que aquela era a coisa certa a ser feita.
E aí uma coisa estranha aconteceu: diferente de hoje, onde nada é sagrado, e nada é respeitado, quando nos viram saindo da sede, os vizinhos foram chegando até as varandas e até seus portões, para nos apoiar. Uns reclamavam, outros até aplaudiam, mas o fato é que aquela farda tinha um peso, e isso ficou claro quando nos aproximamos. Os valentões foram se afastando, um a um, até restar dois atiradores que, nos vendo com aqueles cacetões na mão, também raparam fora.
Respiramos aliviados, e fomos voltando para a sede do tiro quando deparamo-nos com um espetáculo que pouca gente viu: o nosso sargento, totalmente descomposto. Estava meio barbudo, com o cabelo arrepiado para cima, com um pijamão amassado e, por cima, uma blusa de lã, além de estar calçado com meias e chinelos, mas não eram os do 39, com certeza.
Fiz a continência, me apresentei e relatei a confusão. Eu já tinha uma certa quedinha para a oratória e falei:
- Sargento, foi um pequeno distúrbio entre civis, mas tudo já está sob controle!
Ele ainda perguntou se havia algum atirador envolvido, mas, a esta altura, eu já nem me lembrava de nada, e ficou tudo por isso mesmo.
Voltamos para o quarto, o 12 assumiu o posto do 39, e fomos dormir, não sem antes recontar a aventura um monte de vezes.
Levantei bem cedinho e fui direto abrir os plásticos com as colchas que não podiam, EM HIPÓTESE ALGUMA, ser utilizadas pelos atiradores. Eram umas colchas chiques, semelhantes aos atuais cobertores fleece, porém de um material que parecia não sintético. Pedi à galera que me ajudasse a colocá-los na cama, com extremo cuidado. Tudo arrumadinho, fomos tomar café, e já começamos a discutir sobre a corrida de Fórmula 1 que ia acontecer dali a pouco, em Jarama na Espanha. Torcíamos pelo carro do Emerson Fittipaldi, mas não tínhamos muito esperança. E, naquele domingo, ainda tinha futebol (Botafogo x Fluminense) e nem sabíamos ainda como havia terminado a luta do Eder Jofre com o francês Michel Lefebvre que tinha sido na noite anterior. Vendo que o 39 ia se aproximando, o 15 empurrou levemente o pé da cama, coisa que sempre fazíamos pois, como o pé era solto, bastava empurrá-lo que a pessoa sentava e a cama caía. Foi aí que...
Vejam, na semana que vem, agora sim, “Feito nas Colcha” e o fim de um sonho de domingo. Ah, o Éder Jofre ganhou do francês, por nocaute, no terceiro assalto!

(Crônica: Jorge Marin)

BRIGADU, GENTE!

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VOLTEM SEMPRE, ESTAMOS ESPERANDO... NO MURINHO DO ADIL